20 October 2009

Fragmento do Homem

"Que tempo é o nosso? Há quem diga que é um tempo a que falta amor. Convenhamos que é, pelo menos, um tempo em que tudo o que era nobre foi degradado, convertido em mercadoria. A obsessão do lucro foi transformando o homem num objecto com preço marcado. Estrangeiro a si próprio, surdo ao apelo do sangue, asfixiando a alma por todos os meios ao seu alcance, o que vem à tona é o mais abominável dos simulacros. Toda a arte moderna nos dá conta dessa catástrofe: o desencontro do homem com o homem. A sua grandeza reside nessa denúncia; a sua dignidade, em não pactuar com a mentira; a sua coragem, em arrancar máscaras e máscaras.

(...)

Desamparado até à medula, afogado nas águas difíceis da sua contradição, morrendo à míngua de autenticidade - eis o homem! Eis a triste, mutilada face humana, mais nostálgica de qualquer doutrina teológica que preocupada com uma problemática moral, que não sabe como fundar e instituir, pois nenhuma fará autoridade se não tiver em conta a totalidade do ser; nenhuma, em que espírito e vida sejam concebidos como irreconciliáveis; nenhuma, enquanto reduzir o homem a um fragmento do homem. Nós aprendemos com Pascal que o erro vem da exclusão. "



Eugénio de Andrade, in "Os Afluentes do Silêncio"

4 comments:

Tulha said...

É um homem tão culto o nosso Pépe ='D

um dia ainda me caso contigo x) ahaha

Tulha said...

Sim, eu percevi que num fostes tu q escrevestes x) mas amei a parte de leres eugénio de andrade =D ahah *

Aline said...

A Ritona um dia disse-me que tinhas ideias para o Relax. Alguma coisa em concreto? :)

UnfinishedSong said...

Ideias para o relax, o Pedro? Certamente tem a ver com os anúncios das meninas no jornal xD